Literaturaverdiana

O meu livro se encontra publicado electronicamente em: http://www.scribd.com/doc/272271075/A-Anatomia-da-Lonjura
Segundo professor Doutor Manuel Brito-Semedo a literatura cabo-verdiana está divida em seis períodos.

1º PERÍODO - do movimento liberal ao fim da monarquia (1842 - 1910)

2º PERÍODO - da implantação da república à ditadura militar (1910 - 1926).

3º PERÍODO - da instauração da ditadura militar ao estado novo (1926 - 1933)

4º PERÍODO - do estado novo à independência nacional (1933 - 1975)

5º PERÍODO - da primeira república (1975 - 1990)

6º PERÍODO - da Segunda República (1991 - 2000)

 

 

Literatura Oral
Os contos populares:
Alguns contos populares das ilhas de Santo Antão e S. Nicolau, recolhidos na língua crioula, no próprio estilo narrativo dos contadores e publicados na Claridade - revista de arte e letras, e muitos outros mais recolhidos entre cabo-verdianos das diferentes ilhas, emigrantes nos Estados Unidos da América, publicados no Floclore do Arquipélago de Cabo Verde (1968), pela Elsie Parsons.

Grosso modo, a narrativa, ou contos populares podem ser sistematizados em dois partes. O primeiro, de origem religiosa, compreendendo os contos populares de inspiração religiosa, e o segundo, de ciclos temáticos, com o ciclo do Lobo, as várias versões das histórias do Ti lobo e do Chibinho; o ciclo da Mãe-d'água, do mito europeu de Sereia e do culto africano do Iemanjá; o ciclo da Velha, má e feiticeira, provavelmente sincretização, na imaginação popular, da bruxa e da madrasta má - com intenção ética e de moralização.

O Batuque e a Finaçon:
O batuque de Santiago, a única ilha onde ainda é celebrado, é de origem africana e é constituído pelo batuque propriamente dito - canto com uso da cimboa e batimentos vigorosos e em ritmo acelerado das mãos sobre um chumaço de panos colocado entre as pernas (txabéta) e dança ritmada das ancas (tornu) - e pela finaçon, canto por um solista, improvisado ao sabor da fantasia e bater de palmas por um grupo que faz "baixão" (baxon), isto é, faz um coro de fundo (Baltasar Lopes da Silva).

Para além das mencionadas, segundo Manuel Brito-Semedo, temos:

  • As cantigas de "Curcutiçan" ou "Curcuti-Desafio"; (na Ilha do Fogo);
  • As cantigas de Trabalho; (nas Ilhas Agrículas);
  • As cantigas de Ninar e de Roda e as Lengalengas; (embalar as crianças de autoria de Eugénio Tavares).
Claridade
É marcar uma conjuntura que se situava num tecido de preocupações longamente alimentadas pelo grupo. Essas preocupações tinham a sua fonte principal na situação desastrosa, principalmente no domínio político-económico em que o arquipélago estagnava nos anos da década de 30. O grupo afirmou que tinham de intervir e a arma seria a imprensa.

O conteúdo temático da revista seria «fincar os pés na terra», por outras palavras, um olhar atento sobre os problemas vitais de Cabo Verde e as condições de vida do seu povo.

Segundo Manuel Ferreira, se atendermos ao momento histórico, ao contexto político e social; se tivermos presente que Cabo Verde era colónia; que eram ilhas isoladas do resto do mundo; que se vivia em regime de censura, sendo vedada a liberdade de expressão; que a sua tradição literária escrita em língua portuguesa acusa uma quase total dependência do texto português - uma sensação de espanto nos percorre ao lermos as páginas da Claridade. Em tal época surgiu uma revista moderna, em todos os seus aspectos, vincadamente nacional, capaz de suportar o cotejo com outras publicadas no espaço de língua portuguesa? - Questiona o mesmo autor.

Depois foi a aventura repartida por dois períodos: os dos três primeiros números (1936-1937) e dos restantes seis (1947-1960). O aparecimento da revista Claridade está ligada a razão históricas e sociais e a factores ideológicos que caracterizam a transição da década de 20 para a de 30 e se prolongaram e desenvolveram, em ritmo acelerado, alterando o quadro ideológico das novas gerações caboverdianas.

Os homens da Claridade propunham-se, ainda que de forma não expressa, alcançar os seguintes objectivos:

  • Exprimir, literariamente, a situação e a movimentação do homem cabo-verdiano;
  • Inventariar e estudar os elementos que integram a cultura cabo-verdiana;
  • Estudar o ¿processos¿ de formação social das ilhas crioulas.

    A revista Claridade sofreu algumas influências, tanto os elementos endógenos como exógenos.

    Elementos Exógenos
    a) A presença pessoal de alguns escritores portugueses em Cabo Verde, nos anos compreendidos entre os fins de 20 e os princípios de 30;
    b) A revista portuguesa «Presença»;
    c) A moderna literatura brasileira, nomeadamente a de segundo fase.

    Elementos Endógenos Literatura e Culturais:
    a) A tradição literária e cultural caboverdianas, personificadas praticamente em três escritores: José Lopes, Pedro Cardoso e Eugénio Tavares;
    b) A espécie de contra discurso público que se indica por volta de 1929 data em que se publica na cidade da Praia o pequeno livro de poema de António Pedro, intitulado «diário»;
    c) O discurso oculto que se desenvolveu entre aqueles que haveriam de fundar a revista Claridade

    Segundo professor Doutor Manuel Brito-Semedo, a bandeira do regionalismo veiculada pela Claridade foi desfraldada quando, no frontispício do seu primeiro número (Março de 1936) apresentou três textos poéticos da tradição oral em língua crioula - "lantuna & 2 motivos de finaçom (batuques da ilha de Santiago)" - e nos números seguintes uma morna ("Vénus") de São Vicente, o folclore poético da ilha de Santiago ("finaçom" e "batucu" e as cantigas de Ana Procópio, da ilha do Fogo; o folclore novelístico de S. Nicolau e Santo Antão; estudos etnográficos sobre a "Tabanca", da ilha de Santiago, e as "Bandeiras", da ilha do Fogo; e estudos sociológicos sobre a estrutura social da ilha do Fogo e a originalidade humana das ilhas.

Claridade e a Defesa do Crioulo - I
A revista literária Claridade, surgida em 1936 na cidade do Mindelo, ilha de São Vicente, está no centro de um movimento de emancipação cultural, social e política da sociedade cabo-verdiana. Os seus responsáveis foram Manuel Lopes, Baltasar Lopes da Silva e Jorge Barbosa, a que, dada a excepcional qualidade logo alcançada se juntaram outros.

Os fundamentos do movimento Claridade, como um movimento de emancipação cultural e política cabo-verdiana, podem encontrar-se na nova burguesia liberal do século XIX, que instituiu a Escola como elemento homogeneizador da diversidade étnica das ilhas de Cabo Verde, no pressuposto de que o processo de alfabetização e formação intelectual da população era indispensável ao desenvolvimento de uma consciência geral esclarecida.

A Escola até então em Cabo Verde havia sido eminentemente eclesiástica, pelo que o aparecimento da escola laica desencadeou uma fome de leitura e instrução que está na base do extraordinário desenvolvimento cultural de Cabo Verde nos inícios do século XX face aos territórios semelhantes.

A criação do liceu-seminário, eclesiásticos e laico, da Ribeira Brava e, depois, os liceus da Praia e do Mindelo, para além de formarem os quadros dirigentes da administração crioula, constituíram os cadinhos de onde saíram sucessivas gerações de intelectuais que estão na origem da consciencialização e da reacção contra a mão forte do processo colonialista.

A poesia romântica cabo-verdiana havia-se sido eminentemente poética e pouco política, ou seja a poesia tinha-se debruçado especialmente sobre as emoções e as afectividades, como no caso das Mornas de Eugénio Tavares, mas pouco sobre a situação social.

Embora houvesse já uma certa carga política e, inclusivamente, Eugénio de Paula Tavares tivesse criado pela filha de um poeta madeirense emigrado em Cabo Verde por motivos políticos, escrevendo Eugénio poesia em crioulo e, nos artigos de New Bedford, pugnado pela autonomia de Cabo Verde, que pensava que ia chegar com a implantação da República, era ainda, e também, uma atitude romântica, como se comprovou com a implantação do Estado Novo, que desenvolveu a escolaridade, mas não autorizava qualquer discussão política.

Foi nesse sentido que nasceu a revista Claridade, que entre 1936 e 1960 produziu nove números, mas que se tornaram uma referência para toda a cultura caboverdiana. Do ponto de vista literário, a Claridade marca o início de uma fase de contemporaneidade estética e linguística, superando o conflito entre o Romantismo de matriz dominante durante o século XIX, e o novo Realismo, atento às realidades do quotidiano do povo e procurando reflectir a consciência colectiva do povo caboverdiana. Vai ser assim o palco privilegiado para a apresentação do crioulo caboverdiano, que sai de uma certa clandestinidade e menoridade artística, passando a espelhar verdadeiramente um sentir universalista e independente de um povo. As referências da Claridade apontam assim muito mais para uma universalidade que para o curto e autista universo português de então.

 

Claridade e a Defesa do Crioulo - II
Os Claridosos vão assim assumir logo à partida a defesa do crioulo, na primeira página e no primeiro número, com um poema de finaçon, remetendo para os poemas de crítica social utilizados nos batuques do interior de Santiago, onde igualmente se podem observar recitativos históricos africanos tradicionais.

Se Manuel Lopes escrevia quase sempre em português, utilizava inúmeras palavras e expressões em crioulo, o mesmo se passando com Jorge Barbosa, sendo a obra deste considerada um marco para o nascimento da nova poesia cabo-verdiana, onde os problemas da sociedade, da pobreza e do mar passaram a constituir uma das grandes temáticas, sendo, logicamente, parte da sua obra proibida então de circular e de se imprimir. Passam assim a escrever na revista Claridade os grandes intelectuais cabo-verdianos e, inclusivamente, brasileiros.

A revista Claridade passou ainda por algumas transformações, partindo de uma inicial edição de 10 páginas, para uma segunda, em que foi aumentando progressivamente, declarando-se não periódica, passando a 40, 50 e 80 páginas. O seu subtítulo, Revista de Arte e Letras, indicava já entender a arte com uma grande envolvência, com desenho e pintura, música, dança, artesanato, antropologia, crítica literária, cultura, história, geografia, esclavagismo, etc., para além, claro, do teatro, da poesia, do romance, da novela ou do conto. Seria nas páginas da Claridade que iria surgir uma das obras mais emblemáticas desta época, de um dos três elementos fundadores, a que depois se juntaram mais de 30 colaboradores, Baltasar Lopes da Silva: o romance Chiquinho.

O romance Chiquinho, de Baltasar Lopes da Silva teve uma inspiração autobiográfica, situando o autor a sua personagem no longínquo Caleijão da ilha de São Nicolau, embora tivesse nascido na Ribeira Brava, onde então viviam os pais. Caleijão é uma terra mítica, porque foi igualmente residência episcopal de vários prelados caboverdianos, que levaram à instalação, na Ribeira Brava, da primeira grande escola superior de Cabo Verde, o Seminário-Liceu de São Nicolau, por sua vez instalado na residência de uma outra personagem mítica, o Dr. Júlio José Dias, que se formara em Medicina na Sorbornne, em Paris. São Nicolau é então representado num crescente neo-realismo, onde a seca e a fome, assim como a resistência e a esperança, são realidades sempre presentes, tornando-se numa das obras de referência de toda a literatura cabo-verdiana.

Baltazar Lopes da Silva era formado em Letras e em Direito, tendo ainda sido um dos professores que marcaram a geração seguinte com o seu sentido polémico e universalista. Escreveria ainda outras obras marcantes, sobre os cabo-verdianos em São Tomé e, logicamente, sobre o crioulo cabo-verdiano. Nessa sequência, seria ainda colaborador da revista Ponto & Vírgula, dirigida por Germano Almeida, Leão Lopes e Rui Figueiredo, que marcaria a época seguinte e que, após a independência de Cabo Verde, passaria, especialmente, a editora.

 

Claridade e a Defesa do Crioulo - III
O crioulo cabo-verdiano é uma língua crioula, ou seja natural, mas de base portuguesa. É a língua materna de quase todos os cabo-verdianos e é ainda usada como segunda língua pelos descendentes de cabo-verdianos em outras partes do mundo. A designação mais correcta desta língua seria "crioulo cabo-verdiano" , mas no uso diário é simplesmente chamada de «crioulo» pelos seus falantes. O nome «caboverdiano» ou «língua cabo-verdiana» foi proposto para quando a língua estiver padronizada, ou seja susceptível de ser coerentemente fixada e passada a escrito, aspecto em que se está a trabalhar.

Entende-se assim como língua crioula uma língua natural, que se distingue das restantes devido a três características: o seu processo de formação, a sua relação com uma língua de prestígio e algumas particularidades gramaticais. As línguas crioulas derivam sempre de um "pidgin" , que não é uma língua natural, mas apenas um sistema de comunicação rudimentar, alinhavado por pessoas que falavam línguas diferentes e que, precisando de comunicar, rápida ou progressivamente, encontraram essa forma de expressão. Não têm fundamento alguns preconceitos segundo os quais os crioulos seriam dialectos, corruptelas ou uma mistura de outras línguas, normalmente europeias, do mesmo modo que é errada a ideia de que os crioulos são línguas sem gramática, tendo, aliás, a primeira gramática do crioulo de Santiago sido publicada ainda no século XIX, por A. de Paula Brito, no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1887.

O crioulo cabo-verdiano reveste-se ainda de particular importância para o estudo da crioulística, pelo facto de se tratar do crioulo ainda falado mais antigo que se conhece, por ser um crioulo de base portuguesa com o maior número de falantes nativos, por ser o mais estudado e por ser um dos poucos crioulos em vias de se tornar uma língua oficial. O crioulo cabo-verdiano reveste-se também de importância para o estudo diacrónico da língua portuguesa, pelo facto de ter conservado algum léxico, alguma fonologia e alguma semântica do português dos séculos XV a XVII.

 

Não foram poucos os escritores que se afirmaram como a geração dos nacionalistas, alinhados numa ruptura temática com a Claridade, pelo que se poderão perfilar Onésimo Silveira, Mário Fonseca, Arménio Vieira, Oswaldo Osório, Kwame Kondé, Kaoberdiano Dambará, Donaldo Macedo, Manuel Duarte, Amílcal Cabral, Corsino Fortes e Ovídio Martins. Outra nota vai para o surgimento dos Novíssimos da Literatura Cabo-verdiana, em 1986, sobretudo aqueles em torno do Movimento Pró-Cultura, reivindicando uma quebra de paradigma Claridosa, em prol de uma escrita que não tem esse movimento por referência. Do rol dos novos escritores, uns mais novos do que outros, destacam-se Jorge Carlos Fonseca, João Vario, Vera Duarte, Dina Salústio, Germano Almeida, Leão Lopes, Fátima Bettencourt, David Hopffer Almada, Fernando Monteiro, José Luís Hopffer Almada, José Vicente Lopes, Mário Lúcio Sousa, Filinto Elísio, Daniel Spínola, Jorge Tolentino, Kaká Barbosa, Manuel Veiga, Tomé Varela da Silva, Ondina Ferreira, Mário Matos e José Luís Tavares.

 

 

 

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