Uma carta aberta ao BCA de Cabo Verde ( criticando a sua incrível burocracia)
(Publicada no Terra Nova em Junho de 1913)
O Banco Comercial do Atlântico, BCA, é o meu banco preferido em Cabo Verde, no qual deposito tanto as minhas poupanças como a minha confiança. Ultimamente recebi três cartas, cujos conteúdos diferem um pouco uns dos outros, solicitando-me mais ou menos, as mesmas informações, isto é, informações que provem o meu estado do emigrante.
As cartas que recebi do BCA deixam uma tamanha impressão de que não existe uma comunicação entre os diferentes sucursais do BCA no país, pois elas trazem claras inconsistências entre elas, por isso acabam de ser contraproducentes. Pois, enviei os documentos cerca de duas semanas após o pedido do BCA, para a agência. Mas os documentos ainda não chegaram, porquanto esta pede ainda os mesmos documentos.
Será que o BCA tem necessidade de exigir que um emigrante prove o seu estatuto, quando as cartas com tal exigência, muitas vezes, registadas, são endereçadas para um país estrangeiro onde o tal emigrante reside? Acho que não, pelas razões seguintes:
a) Vivemos na era de comunicação electrónica via Internet.
b) Se não estou errado, parece-me que só Portugal e Cabo Verde ainda exigem documentos para provar o status presens do emigrante.
c) Os juros oferecidos pelos bancos, em Cabo Verde não justificam todo o trabalho e todas as despesas que esta prova do status de emigrante acarreta.
d) As embaixadas e os consulados nem sempre são acessíveis a todos, e um documento passado por uma entidade localizada a milhas de distância não é nem condição necessária nem suficiente para provar que um emigrante ainda se encontra a residir num determinado país estrangeiro.
Ora, vivemos numa época em que qualquer pessoa pode electronicamente localizar uma outra no lugar onde estiver, com uma certa precisão que nenhum documento é capaz de fazer. Além disso, uma pessoa deixa pegadas por onde passa! Por exemplo, O BCA pode localizar a minha moradia no país onde me encontro, se quiser, com a ajuda do google.com e o catálogo chamado “páginas amarelas” do país onde me encontro. Além disso, o banco dispõe da minha personalia, número de telefone, endereço electrónico, fax e outras informações. Todos estes dados podem servir para me identificar, localizar e notificar.
Como conclusão lógica do acima exposto, segue-se: se sabermos as consequências, deduziremos as causas. Se uma pessoa tem um endereço oficial no estrangeiro, a dedução lógica diz que ela não está em Cabo Verde e vice-versa. Mas, que importa estar em Cabo Verde, se o dinheiro depositado provém do estrangeiro através de bancos internacionalmente legalizados? Assim, um emigrante podia usufruir dos juros oferecidos, quer esteja a residir no estrangeiro quer não. Que vantagem tem o emigrante em retirar o seu dinheiro de um banco estrangeiro – muitas vezes mais seguros do que bancos cabo-verdianos? Ainda mais, as leis contra o branqueamento de dinheiro e o apoio financeiro ao terrorismo internacional ou contra e narcotráfico e outros crimes internacionalmente organizados, exigem que os bancos controlem a proveniência e os proprietários do dinheiro que recebem. Esta também é uma maneira segura de identificar e localizar se o dinheiro transferido pertence a um emigrante ou a uma pessoa permanentemente residente em Cabo Verde.
Portanto, é um consumo desnecessário de tempo e dinheiro para o emigrante e para o BCA que deve envidar os seus esforços para uma melhor política económica, convidando o emigrante e depositar as suas poupanças e investir no seu país, em vez de lhe impor as exigências aqui referidas, o que não acontece com os investidores italianos em Cabo Verde e outros que, ao contrário dos emigrantes cabo-verdianos com contas bancárias em Cabo Verde, não deixam um tostão na nossa terra. Essas exigências não fazem mais que esbarrar os planos de poupanças, os projectos e os sonhos daqueles que ainda sonham com um Cabo Verde diferente e melhor do que deixaram, e tentam contribuir para tal, apesar dos pesares.
Se o BCA e os outros bancos não estão interessados em valorizar as economias ou poupanças dos emigrantes, a solução imediata que lhes ocorre à mente, é transferi-las para o pais que melhor saiba gerir esses valores de maneira menos dispendiosa, com menos exigência e mais respeito pelos emigrantes. Não dizemos que temos duvidas sobre essas exigencias do banco. Dizemos antes que temos a certeza de que são supérfluas, contraproducentes, anacrónicas e dispendiosas.
Estes pontos dizem respeito sobretudo aos emigrantes que vivem em países onde não há Consulado ou Embaixada cabo-verdiano/a e onde a Embaixada portuguesa recusa peremptoriamente em reconhecer assinaturas de documentos não endereçados pelos portugueses ou a Portugal.
A multa ou o castigo que o emigrante tem, caso não entregar os documentos, é não receber juros, pagar mais impostos e outras coisas, e nota-se nas extracções feitas pelo BCA que, em vez de o dinheiro render, verifica-se pequenas transacções negativas pelas despesas de correspondência e gerência, em prejuízo do cliente.
Pergunto agora, por que os meus documentos ainda não chegaram à sede do BCA? Se chegaram a um dos sucursais: não existe uma comunicação entre as agencias do BCA de Cabo Verde? Ou não existe um banco de dados de todos os clientes que facilita a comunicação entre a sede do BCA e as suas agências espalhadas pelas ilhas? Como é que um consulado de Cabo Verde, situado a centenas de milhas do país da residência de certos emigrantes, por exemplo, no meu caso, pode confirmar a minha residência se o próprio banco não o faz? Não seria suficiente uma certidão de residência outorgada pelo país anfitrião para provar se sou emigrante ou não?
A burocracia cabo-verdiana reflecte ainda a portuguesa, movendo-se sobre rodas enferrujadas pelo passado ditatorial e imperialista fascista. Numa época em que a cibernética nos ajuda a ver o homem a mover-se a cada instante no outro lado do hemisfério, a burocracia morosa e pesada assombra o nosso espírito de colaboração e aniquila a nossa motivação para contribuir para um Cabo Verde melhor e justo.
Em vez desta burocracia, os bancos de Cabo Verde, deviam estar a propor medidas necessárias e melhores condições para incentivar o depósito das nossas poupanças no país, não importa se elas chegam do estrangeiro ou de um emigrante que voltou definitivamente a terra, deixando assim para trás o cancro da burocracia portuguesa, que só nos afronta e nos desnorteia, e nos põe o entrave de pensar com as nossas próprias cabeças sobre como inventar coisas novas para o bem de todos os cabo-verdianos, quer os de dentro, quer os de fora. Não devemos criar dificuldades para os nossos bancos, nem seus clientes, e nem para a economia da Nação.
Oslo, 20 de Maio de 2013
Domingos Barbosa da Silva